top of page

Sistema, ecossistema e o “meio vivo” que quase nunca aparece no slide

Autor: RedMind Studio
Autor: RedMind Studio

Retomando a metáfora: o sistema é o equipamento.

Tudo aquilo que, por si só, é estático, mesmo que seja caro, bonito e bem intencionado.


  • Um parque tecnológico sem empresas, sem times de gestão atuantes e sem agenda de conexão é só um conjunto de prédios.

  • Uma lei de inovação sem instrumentos operando é só um texto bem diagramado.

  • Um programa de fomento sem pipeline qualificado é só um formulário difícil.


O ecossistema, por sua vez, é o habitat: o ambiente onde esse sistema habita, interage, entra em contato com pessoas, empresas, universidades, governos, investidores, organizações da sociedade civil.

É o “eco” no sentido de casa, de contexto, de vida circulando.


O ponto é que um não vira automaticamente o outro.


Quem faz a transição entre “equipamentos” e “habitat vivo” é a governança.

É ela que funciona como motor, elo e fluxo de energia: aproxima atores, cria combinados, organiza agendas, protege certas regras do jogo e, ao mesmo tempo, abre espaço para experimentação. Sem governança, o sistema fica ocioso. Sem governança, o ecossistema vira um conjunto de iniciativas soltas, sem direção nem prioridade.


ree


O que o mundo já sabe e nós ainda estamos aprendendo


Nas últimas décadas, a literatura sobre sistemas regionais de inovação e desenvolvimento territorial tem reforçado a mesma tese: não basta ter ativos isolados, o que explica o desempenho inovador de uma região é a qualidade das relações entre empresas, universidades, governo e instituições de apoio, e a existência de arranjos institucionais que sustentem essas relações no tempo.


Um relatório recente sobre parques tecnológicos brasileiros, por exemplo, mostra que o país já acumula dezenas de iniciativas em operação, com crescimento relevante do número de empresas, faturamento e empregos qualificados vinculados a esses ambientes. Mas o próprio estudo alerta: o sucesso de um parque vai além de prédios modernos ou infraestrutura sofisticada; trata-se de um espaço de articulação entre conhecimento, tecnologia e desenvolvimento regional, que funciona como intermediário crítico na lógica da Triple Helix

(empresas–universidades–governo).


Ou seja: parque é sistema. O que o transforma em ecossistema é a governança que articula esses atores, estabelece prioridades, consolida parcerias, cria ritos e cuida da sustentabilidade ao longo do tempo.


O Fórum Econômico Mundial, ao compilar boas práticas globais em ecossistemas de inovação, chega a conclusão semelhante: ecossistemas bem-sucedidos costumam ter um ator ou instância de orquestração que combina visão de longo prazo, capacidade de mobilização e mecanismos de coordenação estável entre os participantes.


Na mesma direção, um estudo da Bloomberg Center for Public Innovation, da Johns Hopkins, ao analisar parcerias de governos locais, destaca quatro capacidades essenciais para que as cidades consigam fazer parcerias que gerem valor: navegar atores e interesses, articular problemas e oportunidades, experimentar soluções em escala controlada e codificar aprendizados em políticas e rotinas.


Perceba: isso é linguagem de governança, não de infraestrutura.


Quando olhamos para a discussão de city-as-a-platform, a lógica se repete. Cidades que passam a operar como plataformas digitais abertas, conectando dados, serviços e atores, não fazem isso apenas com tecnologia; precisam de modelos de governança que definam quem pode conectar o quê, com quais regras, padrões e responsabilidades.


O recado é claro: governança não é um “comitê” a mais. É o modo como o sistema se torna capaz de gerar, nutrir e escalar um ecossistema.


Governança como motor: três transformações concretas


Nos artigos anteriores, abrimos três movimentos que a governança torna possíveis. Vamos aterrissar cada um deles.


  1. Da intenção política à ação coordenada


Quase todo território hoje tem algum tipo de intenção declarada em favor da inovação: plano, lei, estratégia, programa. O problema é quando essa intenção não encontra uma mesa madura para organizar prioridades, desenhar rotas e arbitrar escolhas difíceis.


A governança entra para:

  • transformar enunciados gerais (“queremos ser referência em inovação”) em portfólios de projetos e agendas concretas;

  • alinhar as hélices em torno de poucos focos estratégicos, em vez de dispersar energia em dezenas de iniciativas paralelas;

  • ajudar o governo a deixar de ser apenas financiador ou anfitrião, e assumir o papel de articulador e regulador de um jogo mais complexo.


Sem isso, as boas intenções se perdem na burocracia ou no calendário eleitoral.


  1. De estruturas formais a impacto real


O estudo nacional sobre parques tecnológicos mostra que, quando bem geridos, esses ambientes se tornam instrumentos estratégicos para a transformação territorial: aumentam receitas, sustentam crescimento do faturamento das empresas, geram empregos altamente qualificados e funcionam como fatores determinantes de um ambiente empreendedor favorável.


Mas o mesmo estudo alerta que políticas não podem se limitar a “clonar” parques pelo país com base apenas em interesses políticos ou aspirações regionais; é preciso considerar viabilidade técnica, base científica disponível e governança institucional adequada a cada estágio de maturidade.


Essa lógica vale para qualquer estrutura formal:

  • um hub de inovação dentro de uma secretaria estadual;

  • uma rede de laboratórios de universidades;

  • um fundo de investimento público–privado;

  • um observatório de dados econômicos.


Sem governança, tudo isso vira inventário de ativos.

Com governança, essas estruturas passam a operar em rede, com clareza de papéis, metas, incentivos e mecanismos de coordenação.


3. De ecossistemas vivos a territórios competitivos


Há territórios que já conseguiram “ligar o motor”: têm eventos, startups, comunidades, espaços físicos, programas. A vida está presente. O próximo desafio é transformar essa vitalidade em vantagem competitiva sustentável.


Aqui, a governança faz três coisas fundamentais:

  • Constrói continuidade: protege agendas de longo prazo contra a volatilidade política, garantindo que o aprendizado não se perca a cada mudança de gestão.

  • Integra escalas: conecta o que acontece no bairro, na cidade e na região, alinhando o ecossistema local com estratégias industriais, de ciência e tecnologia em níveis estadual e nacional.

  • Dá inteligência ao sistema: usa dados, indicadores e feedbacks para ajustar rotas, realocar recursos e decidir onde acelerar, frear ou pivotar.


É nesse ponto que o sistema (políticas, instrumentos, instituições) e o ecossistema (pessoas, redes, comunidades) precisam se encontrar de maneira madura. E só a governança ocupa esse lugar de fronteira de forma estruturada.


Os elementos mínimos de uma governança que gera energia (e não burocracia)


Se olharmos para os diferentes estudos e casos, algumas peças se repetem quando a governança funciona de verdade:


1. Propósito claro e compartilhado

Não é um slogan genérico, mas uma tese de desenvolvimento: por que este território precisa da inovação? Para diversificar a matriz econômica? Para acelerar a transição verde? Para melhorar produtividade industrial? Esse “norte” precisa ser traduzido em objetivos mensuráveis.


2. Papel de orquestração bem definido

Quem segura a batuta? Pode ser uma associação, uma OS, um parque tecnológico, um comitê misto. O importante é que exista um ator (ou arranjo) reconhecido como articulador neutro, com mandato, legitimidade e capacidade técnica para coordenar o jogo e não apenas convocar reuniões.


3. Regras do jogo e combinados

Governança não é improviso permanente. É preciso ter regras claras sobre entrada e saída de membros, tomada de decisão, gestão de conflito de interesses, relação com o poder público, uso de marcas, dados e resultados. Isso dá segurança para que todos joguem.


4. Ritos e rotinas que sustentam o fluxo

A energia do ecossistema precisa de ritos: encontros periódicos, espaços de escuta, fóruns temáticos, ciclos de priorização, momentos formais de prestação de contas. Esses ritos são o que transformam uma agenda pontual em processo contínuo.


5. Métricas, transparência e aprendizagem

Não há governança séria sem indicadores. Estudos recentes sobre parques

tecnológicos, por exemplo, mostram o esforço de acompanhar, ao longo do tempo, faturamento, empregos, propriedade intelectual e redes de cooperação, justamente para orientar decisões públicas e privadas. Em ecossistemas mais maduros, a governança passa a usar esses dados para deliberar: o que funciona, o que precisa ser redesenhado, o que deve ser encerrado.


6. Abertura e renovação de lideranças

Governança não é clube fechado. Se quer manter o ecossistema vivo, precisa abrir espaço para novas lideranças, principalmente das gerações mais jovens, e para atores que costumam ficar à margem: empresas tradicionais, organizações da sociedade civil, atores da economia real.


Fechando a trilha


Ao longo desses três artigos, desenhamos um mapa simples, mas exigente:


  • Sistema: as estruturas, políticas e instrumentos que um território mobiliza para inovar.

  • Ecossistema: o habitat vivo onde esse sistema se manifesta, com pessoas, redes e comunidades em movimento.

  • Governança: o motor, o elo, a energia que conecta um ao outro e transforma intenção em impacto.


Olhar para o território com essa lente muda o tipo de pergunta que fazemos. Em vez de “como criar um ecossistema do zero?”, passamos a perguntar “como cuidar da relação entre o que já existe de institucional e a vida que já pulsa aqui?”. Em vez de buscar fórmulas prontas, começamos a desenhar arranjos de governança que respeitam a identidade local, mas dialogam com as melhores referências do mundo.


É justamente nesse ponto de encontro que a Exxas escolheu atuar: na tradução entre conceito e prática, entre sistema e ecossistema, entre estruturas formais e movimentos vivos. Ao longo dos últimos anos, fomos desenvolvendo metodologias, jornadas e ferramentas de governança que ajudam territórios, empresas e governos a organizar essa complexidade sem engessá-la, criando ritos, regras e indicadores, mas preservando a criatividade, a colaboração e o

protagonismo local.


Mais do que oferecer modelos, o que buscamos é apoiar lideranças a enxergar o seu próprio território com novos olhos: identificar onde o sistema já existe, onde o ecossistema já respira e como a governança pode unir essas duas dimensões para gerar resultados concretos. Se este conjunto de reflexões servir para provocar esse olhar mais atento e, quem sabe, aproximar quem sente que precisa de apoio para dar o próximo passo, ele já terá cumprido bem o seu

papel.

 
 
 

Comentários


bottom of page